domingo, 18 de agosto de 2013

Velhice (Vinícius de Moraes)


Virá o dia em que eu hei de ser um velho experiente

Olhando as coisas através de uma filosofia sensata

E lendo os clássicos com a afeição que a minha mocidade não permite.

Nesse dia Deus talvez tenha entrado definitivamente em meu espírito

Ou talvez tenha saído definitivamente dele.

Então todos os meus atos serão encaminhados no sentido do túmuIo

E todas as idéias autobiográficas da mocidade terão desaparecido:

Ficará talvez somente a idéia do testamento bem escrito.

Serei um velho, não terei mocidade, nem sexo, nem vida

Só terei uma experiência extraordinária.

Fecharei minha alma a todos e a tudo

Passará por mim muito longe o ruído da vida e do mundo

Só o ruído do coração doente me avisará de uns restos de vida em mim.

Nem o cigarro da mocidade restará.

Será um cigarro forte que satisfará os pulmões viciados

E que dará a tudo um ar saturado de velhice.

Não escreverei mais a lápis

E só usarei pergaminhos compridos.

Terei um casaco de alpaca que me fechará os olhos.

Serei um corpo sem mocidade, inútil, vazio

Cheio de irritação para com a vida

Cheio de irritação para comigo mesmo.

O eterno velho que nada é, nada vale, nada teve

O velho cujo único valor é ser o cadáver de uma mocidade criadora.



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