sábado, 30 de março de 2013

A velhice pede desculpas (Cecília Meireles)


Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.

Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.

Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.

Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Bailarina

Oh! Bela bailarina.
Num adágio,
Flutuas como borboleta.

Teus braços e pernas,
Num passé perfeito,
Congelam meus olhos e pensamentos.
Fito-a a fim de perder-me
Em teus movimentos.

A música ecoa em meu peito
Fazendo minh'alma revirar-se
E penetra em meus sonhos,
Colocando tua imagem,
Oh, doce bailarina.

Vejo teus lábios molhados
Pelo suor de teu esforço.
Teus olhos fixos
Encantam-me, de tal forma,
Que me apaixono...

O Allegro apressa-te.
Teus movimentos antes lentos e suaves
Agora são ligeiros, faceiros...

E meu coração palpita
Em ressonância a ti.
Em concordância a discordância.

Oh, bailarina minha,
Cheia de lascívia,
Venha aos meus braços.
Dancemos juntos,
Amemos juntos.

Victor da Silva Neris

sexta-feira, 15 de março de 2013

Poema Aleatório #20

A boca em silêncio
Contradiz os gritos d'alma
Desesperada e infeliz.

O desnorteio norteia o caminho
Retilíneo, curvilíneo,
Helicoidal, desproporcional...

As lágrimas aliviam, timidamente,
A enchente de tristeza interna
Que afoga a esperança ainda sobrevivente.

Talvez a culpa ou arrependimento
De não ter feito ou deixado de fazer
Ou tudo junto, vai saber...

A dor de perder um filho é tão devastadora
Que não existe nome específico
Para os que ficaram.

Sem pais, é órfão.
Sem cônjuge, é viúvo.
E sem filho?

Victor da Silva Neris

quinta-feira, 14 de março de 2013

Poema Aleatório #19

Me pergunto, no entanto
E entre tanto entretanto,
Contudo e portanto
Que me perco tanto
Que, por enquanto,
Ausentar-me-ei.

Me perco na dúvida
Que a fúria de uma sociedade
Hipócrita me impõe!
Me perco na fúria
Que a dúvida da mediocridade
Humana me impõe!

As vírgulas já não param no lugar,
Confundindo-me semântica e gramaticalmente.
Inutilmente,
Luto contra a forca da força da fossa
Fedorenta e feroz da frívola maioria.

Minhas letras se perdem na imensidão
Dos meus pensamentos grudentos
Que grunhem e gemem
Sem parar.

Vivo a dúvida da dívida
Moral e cívica,
Empírica e
Jurídica.

Victor da Silva Neris

Suspiro de um apaixonado oculto

Tua imagem vem e vai
Vai e vendo teus olhos
Tão vivos e vistosos,
Percebo a imensa paixão
Que toma conta do meu peito,
Da minha cabeça, da minh'alma.

Teu caminhar (quase flutuar)
Enfeitiça-me a tal ponto
Que a razão minha esconde-se
Por detrás da emoção
E fica por ali um bom tempo...

E a ausência da razão me
Dá a inspiração infame
E santa necessária para trovar
Meus amores e sonhos.

Sonhos estes que têm você,
Eu e uma infinidade
Quase finita,
Ou escassa
De momentos diversos,
Repetidos, esquecidos, exauridos.

Sou patético, sintético e caquético
Nos meus sonhos prosaicos.
Sou amante, pulsante e irritante
Na minha vida de oculto amante.

Fico louco e instável
Na espera do inigualável
Prazer de tê-la infame e insaciável
Nos meus braços.

Victor da Silva Neris 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Retrato (Cecília Meireles)


Eu não tinha este rosto de hoje, 

assim calmo, assim triste, assim magro, 

nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, 

tão paradas e frias e mortas; 

eu não tinha este coração que nem se mostra. 

Eu não dei por esta mudança, 

tão simples, tão certa, tão fácil: 

Em que espelho ficou perdida a minha face?

sexta-feira, 8 de março de 2013

Mulheres

Sedentas por compreensão,
Mas não dispostas a colaborar.
São assim as mulheres!

Fortes, frágeis;
Lutadoras, guerreiras;
Flores, bonecas de porcelana;
Determinadas, aguerridas;
Sentimentais, desiludidas.

Mães, irmãs, cunhadas, tias,
Avós, bisavós, madrastas, sobrinhas

Loiras, morenas,
Ruivas, carecas.

Belas, singelas, donzelas.
Incansáveis.
Complexas e simples
Ao mesmo tempo,
Ou uma de cada vez.

Inspiração dos poetas,
Musas dos pintores.
Dor de cabeça
E salvação dos homens.

Oh! O que seria dos seres homens
Se Deus não tivesse criado a criatura mulher?

Provocam disritmia,
Anemia, taquicardia,
"Alcolimia".

São tudo isso e mais um pouco.
São mulheres!

Victor da Silva Neris

Sexto Sentido

Vem, de repente,
De um lugar ausente,
De juízo inconsequente,


Um aviso inconsciente,
Displicente,
Que gruda na mente.


Cria expectativa
De que nesse dia
Tudo será resolvido.


E traz o medo
De que tudo não se passa
De um mal entendido.


Victor da Silva Neris